O
P.e Carvalho da Costa explicou como a Fonte do Casal entrava na lenda de S.
Pedro de Rates:
Na aldeia do Casal está a fonte em que São Pedro de Rates estava de joelhos, bebendo, quando os tiranos
vinham atrás dele, de Braga, para o matarem, e foi Deus
servido de que o não vissem, estando patente à vista. Dizem que duas covinhas
que tem são de seus santos joelhos.
Vêm a esta fonte muitos enfermos de
maleitas e, bebendo dela, voltam livres do achaque.
A serem verdade tão manifesto milagre do
santo e as subsequentes curas, justificava-se a grande veneração de que essa
nascente gozou.
As Memórias Paroquiais dão notícia da
fonte nestes termos:
Bebem os moradores duma fonte a que dão
o nome de S. Pedro de Rates: há aqui uma pedra com uma
pegada estampada, a qual dizem ser do Santo de que a fonte tomou o nome; e,
tirando a pedra em certa ocasião, dizem secara de todo e não lançara mais água
senão quando se lhe tornou a pôr. Tem o povo grande fé com esta água e dizem
que bebendo-a tira as maleitas, de que há repetidas experiências. (1736)
Há nesta freguesia, no lugar do Casal, uma celebrada fonte, chamada de
S. Pedro, cuja água é milagrosa para os doentes de sezões e terçãs, como se
experimenta bebendo-a com fé e devoção ao mesmo Apóstolo (…). (1758)
Está-se no campo da pura lenda, mas
lenda por lenda a versão do P.e Carvalho da Costa era mais maravilhosa e completa.
Em 1736, o pároco, o P.e António da
Silva e Sousa, fala de S. Pedro de Rates, do milagre da pedra que se tira e se volta
a colocar e que condiciona o fluxo da água e até das curas, mas endossa tudo ao
povo, embora evocando “repetidas experiências”; mas em 1758 S. Pedro é taxativamente
identificado com o apóstolo, embora a água continue com o seu poder curativo.
Se tudo isto fosse verdade, seria uma
extraordinária verdade.
Devoção a S.
Pedro de Rates em Balasar
Houve devoção a S. Pedro de Rates em
Balasar: testemunham-na o P.e Carvalho da Costa e o autor das memórias
paroquiais. O primeiro fala até com bastante clareza numa romagem dirigida à
fonte.
Mas, ao lado da intercessão que visava a
vida terrena, também se lhe pedia a intercessão para depois da morte: no séc.
XVIII, testemunham-no os assentos de óbito, no séc. XIX, os testamentos.
Seguem-se alguns exemplos.
No assento de óbito balasarense, de 1758, que começa ao fundo da coluna da esquerda e continua ao cimo da da direita, José da Costa, de Além, deixa cinco missas por sua alma "no altar privilegiado de S. Pedro de Rates, em Braga".
Em 11 de Abril de 1745, Custódia, de
Gestrins, deixou que se celebrassem por sua alma “oito missas a S. Pedro de
Rates, ditas em Braga, no altar privilegiado”; em 30 de Março de 1758, outra
senhora estipulou que se “dissessem por sua alma cinco missas no altar
privilegiado de S. Pedro de Rates em Braga”; Maria, solteira, de Guardinhos,
falecida em 4 de Agosto de 1761, deixou “uma missa rezada a S. Pedro de Rates”;
em 1762, uma tal Margarida Gonçalves, natural de Rio Mau, mas residente em
Escariz, falecida a 21 de Julho, deixa também uma missa a “S. Pedro de Rates,
dita no seu altar, em Braga”.
As missas celebravam-se em Braga, mas os
devotos eram balasarenses.
Nos testamentos do séc. XIX, são frequentes
as missas em honra de S. Pedro de Rates, mas muitas vezes é uma só, como
aconteceu com Custódio José da Costa:
E logo que eu
faleça se dirá uma missa rezada no altar de São Pedro de Rates.
Também Manuel da Silva Campos, do Telo,
que fez testamento a 17 de Maio de 1843, deixou uma missa a S. Pedro de Rates:
(…) uma a São
Pedro de Rates, dita no seu próprio altar, logo que eu falecer.
Francisco Malta, do Telo, a 18 de Abril
de 1844, determinou coisa semelhante:
(…) outra a São
Pedro de Rates, estando o meu corpo sobre terra.
Em 1875, António José dos Santos, que faleceu
no Casal, também deixa uma missa a S. Pedro de Rates no dia do seu falecimento.
A urgência atribuída a estas missas deve-se
a que S. Pedro de Rates era identificado com S. Pedro Apóstolo, o porteiro do
Paraíso.
Neste século parece ter existido na
freguesia um altar privilegiado do santo, naturalmente com imagem pois já não
se menciona o de Braga.
Vandalismo
na Fonte de S. Pedro
Na acta da sessão extraordinária da Junta
de 1 de Junho de 1930, o presidente informou que “tinha recebido de vários
moradores dos lugares de Lousadelo e Casal pedidos de providências contra as
danificações que desde o último mês de Março têm sido praticadas de noite e por
diferentes vezes na fonte pública denominada Fonte de S. Pedro, sita entre
aqueles dois lugares, quer obstruindo com paus e pedras a cisterna onde aflora
a nascente, quer lançando às suas águas excrementos de animais e de gente e
outras imundícies nocivas à saúde pública e que as tornam impróprias para os
antigos usos e gastos domésticos”.
O que noutros tempos teria sido
profanação agora é simples vandalismo e desrespeito por um monumento que devia
merecer consideração. De notar que a fonte é de S. Pedro, não de S. Pedro de
Rates, e que é localizada entre os lugares de Lousadelo e Casal.
Imagem de S. Pedro de Rates que encontrámos na Internet.
Cavidades em pedras com desenhos
vagamente semelhantes a partes do corpo humano[1]
impressionaram as mentes populares, gerando lendas. Curioso é que estas
sofreram por vezes adaptações com as mudanças de pensamento religioso. No caso
da Fonte de S. Pedro de Rates também é provável que tenha havido adaptação
de algo anterior, o que de modo nenhuma desvalorizaria a lenda, bem ao
contrário.
No quinto volume da Etnografia Portuguesa[2],
a monumental obra de José Leite de Vasconcelos, a Fonte de S. Pedro vem mencionada duas vezes entre as “fontes
santas”; na primeira ocorrência, é chamada “Fonte de Balasar”, na segunda,
“Fonte de S. Pedro, na Quinta da Piedade”. Uma nota a esta segunda ocorrência
envia para duas referências bibliográficas, uma delas em alemão.
Atendendo ao lugar que esta lenda teve
na sua história, Balasar precisa de a redescobrir e valorizar, e isso implica
restaurar a Fonte de S. Pedro.
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